domingo, 11 de julho de 2010

Época da seca ou das chuvas?

Estamos em Julho e parece que a época das chuvas não quer acabar. Esta semana tivemos a pior inundação de todos os tempos. Mais umas horas de chuva e a capital ficaria submersa. Os timorenses estavam contentes e pediram por mais umas horas de chuva para que no dia seguinte não viessem trabalhar. No entanto, foi grave. Muitas casas destruídas, pessoas desaparecidas, carros parados, carros em contra-mão, o caos instalado.

Esta fotografia foi tirada à frente de minha casa, e pode-se dizer que nem estava muito mau. Agora na rua onde trabalho, a água dava-nos quase pela cintura. A solução: tirar os saltos altos, arregaçar a saia e regressar a casa. Claro que quando cheguei a casa estava com umas manchas meias manhosas nas pernas... enfim! O problema não foi o excesso de chuva (apesar de ter chovido uma grande carga de água), mas a falta de sistemas de saneamento e a limpeza.

Este fim-de-semana foi dedicado a Aileu, embora não tenha ficado muito satisfeita por vários motivos relacionados com a instituição “escola” e não com o seu funcionamento. Um deles prende-se com o final do segundo período. A Cruz Jovem – uma actividade da Igreja Católica em Timor (a cruz é levada de capela em capela durante um ano) – vem esta próxima semana para Aisirimou (o suco onde está situada a escola) e permanecerá até ao dia 8 de Agosto. Ora, tudo o que é feito aqui exige grande preparação prévia e acompanhamento, e a sua conclusão é também uma etapa bastante prolongada. Para além disso exige sempre muitos recursos humanos. O Centro de Educação veio-nos dizer que neste período lectivo não se iria fazer a entrega dos boletins de avaliação, nem as festas finais de período, dado que a Cruz Jovem estaria em Aisirimou e as pessoas (pais e crianças) não teriam tempo de ir à escola para ir tomar parte dos procedimentos típicos de final de período. É claro que para a comunidade é normal, porque é assim que acontece quando há algum evento da Igreja. Faz parte da sua vivência e não tem explicação, é um “must”. Mas para mim, não minha cultura, não percebo porque é que uma coisa influencia a outra e, principalmente, porque é que a Educação é sempre deixada em segundo plano e qualquer coisa é sempre mais prioritária. Ou seja, não teremos festa, mas as avaliações vão ser realizadas pelo menos na nossa escola e os pais vão ser convidados a vir à escola para verem os boletins quando lhes for mais oportuno.
Outra coisa que me aborreceu foi o facto de a nossa escola ter de contribuir com dois sacos de arroz para as festas da Cruz Jovem, quando as nossas crianças nunca têm direito a comer nestas festas. E, mais uma vez, somos obrigados a contribuir com algo que nos é tão valioso na escola e que ninguém irá repor.

A chuva não só afectou Díli como também a nossa escola. A sala “nova”, por mais obras que se façam, não tem solução. Só mesmo construir de novo, embora me dê pena porque apesar de tudo é bastante convidativa e a D. Lúcia mantém-na sempre arranjada. Teríamos de deitar as paredes abaixo e construir novas, mas ainda não há recursos financeiros para o fazer.

As crianças continuam a enfeitar as salas com os seus desenhos coloridos. Foi a semana da alimentação, então pintaram o desenvolvimento do milho na 2.ª infantil. A 1.ª infantil festejou o “suposto” início da época seca e pintaram as diferentes cores das folhas das árvores nesta época, com esponjas e aguarelas.

Os Presentes Solidários têm desaparecido a olhos vistos. Só na minha escola foram consumidos já 210kg de arroz em apenas 2 meses e meio. Gostam tanto da multi-mistura (já consumiram 10kg) que não se ficam por apenas uma pratada de arroz. Vamos comprar agora os nossos próprios pratos e colheres para não sobrecarregarmos as manas.

Enquanto fazíamos a nossa reunião, os filhos da Lourença brincavam no nosso escorrega improvisado.

A barriga da D. Lúcia está cada vez maior. Fui falar com as Irmãs da Caridade a ver se podiam dar boleia à D. Lúcia em Agosto para a formação em Díli, uma vez que não quero que ela venha para Díli na angguna naquele estado. A resposta foi negativa, uma vez que o condutor, que é timorense, não gosta de transportar mulheres naquele estado. Os timorenses têm muitas superstições. Para nós parece-nos estranho, mas gatos e cadáveres não entram em carros, a não ser em carros funerários ou ambulâncias e mesmo assim a porta de trás vai aberta. Tenho percebido que os internacionais recentemente chegados a Timor ficam chocados com a cultura, mas eu cá acho fascinante, até porque tenho a certeza que também os timorenses ficam chocados com a nossa cultura.

4 comentários:

  1. "Os timorenses estavam contentes e pediram por mais umas horas de chuva para que no dia seguinte não viessem trabalhar." Não seria uma visão muito restrita do timorense?

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  2. Peco desculpa se assim o dei a entender. Mas nao e nenhuma visao ou opiniao, e apenas o relato de um facto, de algo que aconteceu e que foi dito.

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  3. Prezada Clarice
    Aprecio muito seu blogg pois, além de trazer questões referentes a educação de Timor transmite um pouco do seu cotidiano.

    Sou brasileiro, do Rio de Janeiro, e aqui na ex-capital da República temos por hábito de achar que o bahiano não gosta de trabalhar. Este esteriótipo pegou e o próprio bahiano (e a midia)gosta desta percepção de que a Bahia vive em uma eterna festa de ócio, praia e acarajé. Claro que sabemos que não é bem assim em um estado com altos índices de desemprego e analfabetismo.

    Clarice
    A decisão de trabalhar em Timor é única e certamete gratificante.
    Felicidades para você e um abraço em todos os professores que em Timor lecionam

    Alfredo

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  4. Ola Alfredo, obrigado pelo seu comentario. De facto tambem e a visao que as pessoas tem do povo daqui. Mas a verdade e que, tal como referiu, nao ha muitas oportunidades de emprego (um elevado indice de desemprego e analfabetismo). E repare, havera trabalho maior do que o trabalho do campo (tudo manual)? E depois ha outra coisa: a forma de estar na vida e muito diferente da nossa ocidental, e dai tambem a sua atitude de trabalho. No fundo sao mais saudaveis! E interessante.

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