terça-feira, 28 de abril de 2009

O que eu gostava

O que eu mais gostava era que:
- pela primeira vez, o taxista soubesse o caminho para o local onde quero ir, em vez de me atrasar para as coisas porque o taxista me levou na direcção contrária. E que em vez de andar a 20km/h, andasse a uma velocidade que me permitisse chegar a horas aos locais
- as pessoas não faltassem aos encontros, depois de eu ter feito vários sacrifícios para estar presente
- as pessoas assumissem as responsabilidades à minha frente e nas minhas costas (é preciso supervisão cerrada, bolas!)
- não me tirassem a roupa do estendal nem me tirassem as molas quando ainda está tudo a secar
Era bom, era...Entretanto... estive em Baucau. De uma forma geral, fiquei desiludida, porque pensava que Baucau era uma cidade grande. É tudo muito diferente. No entanto tem edifícios lindíssimos, embora em ruínas, do tempo dos portugueses.

No ATL, a pedido das crianças, tivemos outra sessão de visionamento de filme, desta vez do Aladino (vejam a fotografia). E finalmente consegui tirar fotografias da placa do ATL (conseguem ver?), mas é claro que me arrisquei...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Novas experiências

Infelizmente não tenho fotografias recentes, porque deixei a minha máquina fotográfica em Díli e ainda não trouxe para cima.O ponto da situação dos projectos:Em breve teremos o primeiro passeio de turma da Infantil graças à organização IOM que nos forneceu o transporte para levar as crianças a Díli, com um programa completo desde uma exposição de dinossauros no mercado Lama ao passeio na praia com uma banhoca e um almocinho. Que tal? Uma ideia inovadora e ainda aguardamos a autorização dos pais.Entretanto, as nossas educadoras voltaram de duas semanas de formação, todas entusiasmadas para aplicarem o que aprenderem, todas orgulhosas a mostrarem-me o certificado. Foram a alegria das formações e mostraram que a nossa Infantil é a melhor. Eu tornei-me também membro do “conselho” de directoras de Jardim Infantil de Timor-Leste. E tenho já a primeira reunião no dia 16 de Maio.A nossa hortinha está um pouco parada, porque eu não tenho tido tempo para me dedicar mais. Limpei todas as ervas, mas é preciso pôr adubo para se plantar, mas estou à espera que os pais venham para fazer isso. No entanto, tivemos a proposta de uma senhora que nos quer financiar um programa nutricional experimental. Como o Ministério nunca mais nos dava a merenda escolar, fui falar com o World Food Program da UNICEF, porque sei que eles têm um programa fantástico de School Feeding. Mas eles disseram que estão à espera da autorização do Ministério para começarem a fornecer as infantis. Mas vamos começar por tentar preparar um programa que contribua para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças.Ah, os nossos caracóis fugiram (mas já os apanhei) mas comeram parte do abecedário de parede da Infantil (nomeadamente a letra J). Agora tenho de fazer um novo.No ATL passei este domingo o filme O Livro da Selva. Já o tinha passado na Infantil, porque está muito próximo da realidade deles (embora seja diferente). E é engraçado como as reacções são tão diferentes, fico fascinada com o desenvolvimento das diferentes etapas infantis. E que maravilha foi, pela primeira vez, verem como os elefantes se movem, depois de tantas vezes terem visto fotografias. Ah, no ATL foi afixada a tabuleta oficial, à porta da sala, com o nome do ATL “Escola do Amor”, pintada pelas crianças. De resto, tudo normal, mais uma porta que se estragou ou mais um animal que entrou e pôs ovos ou simplesmente fez necessidades lá dentro. Tenho mesmo de ser eu a pôr o cadeado.Com os nossos formadores, tive uma experiência engraçada, porque as duas últimas reuniões que fiz com eles foram em Tétum. E que diferença. Acho que ao final de 3 anos de experiência com eles, finalmente percebi o que sentiam (ou antes, um pouco mais, porque há sempre muito que fica por dizer). De qualquer forma, vamos também inaugurar brevemente a sala de trabalho deles, juntamente com o início dos cursos dados por eles. E também saíram algumas ideias para auto-sustentabilizarmos o Centro de Formação.Em casa, tudo na mesma. As chuvas estão a querer parar o que significa que a ratagem voltou ao ataque e os mosquitos quase que desapareceram. Usei as armadilhas que o meu avô me deu, mas não é que os sacanas dos ratos comeram as migalhas de bolacha e a armadilha não disparou? É que o problema é que eu tenho crias de rato mesmo por cima do meu quarto, por isso aquilo é uma festa à noite.


Deixo-vos apenas uma fotografia de uma cozinha de uma escola primária no Suai.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Conhecer alguém

No outro dia fiquei a saber que há pessoas que entram pela porta principal do BNU (banco) e esperam nas filas intermináveis, enquanto que há aqueles que entram pela porta traseira. Não há nada que se possa fazer aqui se não conhecermos alguém. É sempre importante conhecer alguém. Se não conheceres ninguém, não te safas. E aqui há sempre alguém, que conhece alguém, que por sua vez conhece o primo, o tio... Resumidamente, é o desenrasca. Vejamos:
- se eu não conhecesse alguém, não tinha arranjado uma carrinha para levar as crianças da Infantil no seu primeiro passeio de turma a Díli, para uma exposição de dinossauros
- se eu não conhecesse alguém, não tinha conseguido uma reunião com o Vice-Ministro da Educação
- se eu não conhecesse alguém, não tinha conseguido marcar uma acção de formação para as educadoras da Infantil
- se eu não conhecesse alguém, não tinha conseguido materiais didácticos em tétum para as crianças da Infantil e ATL
- se eu não conhecesse alguém, não tinha brinquedos para a Infantil
- se eu não conhecesse alguém, não tinha arranjado uma bicicleta
- se eu não conhecesse alguém, não tinha conseguido arranjar algumas traduções para fazer enquanto cá estou
- se eu não conhecesse alguém...
E-mails, cartas ou pedidos de reuniões não servem para grande coisa. Ou conheces alguém, ou és integrado numa lista interminável de assuntos secundários. Mas quando conheces alguém, tornas-te logo num assunto prioritário.

Entretanto também vos queria mostrar esta fotografia de uma igreja que visitei no Suai e que deve ser a igreja mais impressionante que vi... vejam o tecto... não tem portas nem paredes... mesmo assim, não há roubos, está tudo lá. A luz, o vento... É uma igreja provisória que a comunidade construiu quando a matriz foi incendiada.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Nora de Timor


A Infantil e o ATL entraram em férias de Páscoa. E eu fui até ao Suai, mais propriamente ao suco de Lepo em Covalima. Há imensas aventuras. No entanto, resolvi ocultar alguns Kinder Supresa e limitar-me apenas a contar o decorrer de uma cerimónia tradicional. Vou-vos começar aliás pela noite do dia antes.
Chegámos a Lepo eram 22h, após uma viagem de 10 horas de estradas sinuosas e esburacadas. No dia seguinte, a população iria colocar os primeiros pilares de uma casa que servirá como centro de mediação (espécie de tribunal local). Quando cheguei, os anciãos (chefes de aldeia, chefes de suco, príncipes, representantes das famílias mais importantes) estavam reunidos na sede do suco. Discutiam sobre como iriam fazer a cerimónia no dia seguinte. A questão da mediação é um assunto essencial no que toca a timorenses, uma vez que ocorrem frequentemente conflitos por motivos familiares, propriedades, etc.. Discutiam e não discutiam. Eu estava mesmo cansada. Mais uma vez, em Timor são tempos diferentes, são tempos livres diferentes, são discussões diferentes. Apontaram-me o quarto (na sede do suco), que consistia numa armação de cama, com tábuas por cima (tipo estrado). Não havia colchão, não havia lençóis, não havia almofada. Apenas uma tábua de madeira, onde deveriam dormir 5 pessoas. Pus-me lá no grupo, continuando a ouvir as vozes a discutir, mas às 5h decidi levantar-me porque não aguentava mais das costas. A cerimónia deveria começar às 8h, mas começou às 10.30h (e também porque não tinha ficado tudo decidido na noite anterior, o que se verificou durante a cerimónia em que ainda estavam decidir o que iria acontecer no momento). A cerimónia começou com uma roda composta pelos representantes das famílias mais importantes e por liurais (príncipes). Nessa roda começou-se por pôr no centro o machado, catana e os ingredientes da mama (aquela coisa que eles mascam). Começaram por falar com os espíritos para ver se autorizavam que fossem todos para a floresta buscar os pilares em madeira. Os espíritos autorizaram. Penso que depois se passaram os ingredientes da mama para que todos mascassem. Pegaram então numa galinha porque tinham de “aquecer” o machado e a catana. Esganaram então a galinha e quando morreu, cortaram-lhe a goela, derramaram o sangue para que o sangue dela “aquecesse” o machado e a catana. Depois tiraram-lhe as vísceras, porque nas vísceras havia um sinal que indicava se os espíritos concordavam com a partida para a floresta e se haveria sucessos ou desgraças. Nas vísceras estava o sinal, uma pontinha saliente que indicava para o céu. Era este o sinal: se estivesse virada para baixo, significava que a viagem não iria correr bem. Chegou a altura de beber o vinho que foi passado de mão em mão entre os anciãos. A última pessoa a beber do copo teria de carregar o machado e a catana. Decidido esse aspecto partimos todos em procissão até ao local onde estavam as madeiras. Ali mandaram-me entrar numa daquelas tendas de venda e vestiram-me: um tais para baixo, a cabala para cima, colares, brincos e até no cabelo fizeram-me os tradicionais puxos com os ganhos de moedas. Depois mandaram-nos para o meio dos pilares e deram-nos a mama para mascar. A partir daí fui à frente da marcha, de regresso ao local da construção. À minha frente ia o homem do bombo, juntamente com o chefe que carregava o machado e catana. Atrás iam os homens que carregavam os pilares, estando ligados às mulheres através de uma corda. As mulheres “puxavam” os homens. O trajecto era de cerca de 7 minutos e, mesmo assim, fizemos 2 pausas. Não pelo cansaço, porque a cada pausa eram realizadas danças. Na 1.ª pausa aproveitei para cuspir discretamente a mama, porque já não aguentava aquele sabor azedo na boca. Ao final da 2.ª pausa, pediram-nos para comprar duas garrafas de vinho e dois maços de tabaco. A nós juntou-se uma cabra que iria servir de sacrifício, e ao longe já víamos o cão e o porco. Tivemos de tocar na cabra para abençoá-la. Continuámos até o local da construção. Aí deram-nos novamente a mama e com o cuspe tive de abençoar os pilares. Houve uma espécie de cerimónia com a mama antes de nos ser servida (dança, entrega ao liurai, etc.). Eram 14h, sob um sol ardente e já não aguentávamos. Deram-nos descanso de almoço. Mas de facto estávamo-nos a sentir mal, quase com uma insolação e tínhamos de voltar para Díli. O almoço foi arroz com a galinha esganada. Comecei a negociar, porque tínhamos mesmo de ir embora. Lá concordaram em apressar a parte em que de facto era necessária a nossa presença. Quando regressámos ao local da construção, vi o cão, morto, com um rasgo no pescoço e uma pedra toda ensanguentada ao lado. No espaço do terreno de construção, mataram o porco e tiraram-lhe o sangue para um copo. Depois foram buscar a cabra e também a mataram, passando também o sangue para um copo. A partir daqui não percebi muito bem, mas com o sangue dos dois animais decidiram que um lado da casa seria o lado “mulher” e o outro “homem”. Depois disso, deixaram-nos partir, continuando eles a festa. Haverá outra cerimónia, mas desta vez com um búfalo, aquando da inauguração da casa.
Para além da magnífica experiência (extremamente cansativa porque eu estava como intérprete, e foram muitas horas), ficaram as marcas de um dia de sol (apesar de ter posto protector).
Com isto tornei-me também "feto foun" (nora) de Timor, de acordo com a população que me saudou imenso pelo grande amor que aquela comunidade tem pelos portugueses.

domingo, 5 de abril de 2009

ESTA TERRA NAO EXISTE!!

sábado, 4 de abril de 2009

Kinder

Há uns tempos atrás ouvi um amigo meu em Dili que dizia: “Isto aqui é tudo um Kinder.” E depois pus-me a pensar em todas as minhas aventuras e percebi que de facto o melhor é ter aquela sensação de que vamos abrir um ovo Kinder e nunca sabemos o que está lá dentro, apesar de na embalagem mencionar, por exemplo, o Snoopy. Desde a situação em que se pede uma torrada e vem-nos um bitoque, às voltas que o Centro de Educação me faz dar. Desde o trancarmos a porta de casa à chave (sinal de que ninguém pode entrar) e depois chegarmos e estar tudo aberto, porque alguém precisava de um lápis. Tudo, de facto, é um Kinder Surpresa ... poderia enumerar-vos inúmeras situações. Mas o chocolate é sempre doce... ou seja, adoro isto.
No ano passado eu queixei-me a uma das manas cá em casa que as galinhas andavam a comer as couves da horta do Jardim Infantil. E estava eu à espera que ela me dissesse: “Pois, é preciso consertar a capoeira.” Em vez disso, respondeu-me: “Pois, mana, é por isso que é melhor não plantar couves.” A questão era resolvida desta maneira: não plantar couves. Kinder!
No ano passado eu queixei-me a uma das manas cá em casa que as galinhas andavam a comer as couves da horta do Jardim Infantil. E estava eu à espera que ela me dissesse: “Pois, é preciso consertar a capoeira.” Em vez disso, respondeu-me: “Pois, mana, é por isso que é melhor não plantar couves.” A questão era resolvida desta maneira: não plantar couves. Kinder!Há um tempo atrás os porcos das manas fugiram e andaram nas hortas. Inclusivé estragaram a cerca da horta da Infantil (sabem, aquela famosa cerca construída de urgência após o incidente com as cabras). A solução também me parece que não era trancar as portas do curral, mas sim não construir cercas.Na segunda cheguei de Díli e... Kinder Surpresa: não havia luz.Esta semana estou sozinha na Infantil, porque as educadoras foram para formação em Díli. Os momentos mais altos foram definitivamente o momento em que eu contei que o coelhinho da Páscoa tinha escondido doces na horta e era ver a cara dos miúdos à procura deles, seguido do momento em que as crianças quiseram escrever ao coelhinho da Páscoa a agradecer os doces, seguido do terceiro momento que foi toda a sexta-feira de aulas. Neste dia vieram apenas 4 crianças (era dia de procissão) e decidi passar um filme e acabei por escolher um filme que eu achava que podia não lhes agradar: o Livro da Selva. Mas não. E depois apercebi-me de todas as semelhanças com as nossas crianças. E finalmente conseguiram ver elefantes a mexerem-se. Tinha planeado para este dia fazer a Última Ceia na capela aqui da comunidade. Preparei uma mesa, umas cadeirinhas, uma bacia com água, a toalha e o pão. Fiz uma introdução em que tivemos a ver algumas imagens de Jesus crucificado e a perceber quem estava na cruz. Depois expliquei que antes de morrer, Jesus quis tomar a última refeição com os amigos e que antes de isso lhes lavou os pés (fui-me apercebendo que com estas idades é necessário medir bem as palavras, porque eles não compreendem, por ex. “Como é isso de beber o sangue de Jesus?”). Deu-se o Lava-pés em que cada um deixou de se rir, de se mexer, tão estupefactos estavam. Depois fomos para a mesa e expliquei a partilha do pão. Dividimos o pão entre nós e rezamos um Pai-Nosso. Voltamos para a sala e fizemos umas cruzes em que colamos papel por cima (ver a foto, a primeira). Afixámos na parede da capela (ver foto, a segunda, do lado direito). Quando chegou o meio-dia, todos saíram a correr (um queria dormir na escola) e vi-os todos a dirigirem-se à horta e a vasculharem as plantas. Percebi que andavam a ver se o Coelhinho da Páscoa tinha, por acaso, deixado mais doces. Mágico! Depois ao longo do dia fui-me apercebendo de uma certa atitude por parte de uma criança em especial. Como sabem, esta turma (a dos mais velhos) tem uma criança portadora de deficiência, o Vicente. Não conseguimos ainda identificar exactamente a sua deficiência a nível mental (há algumas coisas que vai fazendo, fala um pouco mas também imperceptível) e tem uma grande descoordenação motora (começou a andar aos 5 anos, neste momento tem 8). Normalmente estes casos são bastante marginalizados, principalmente aqui, em que ainda há muitas crenças, mas o Vicente tem-se dado bastante bem na escola e as crianças parecem tê-lo aceite. Hoje eu chamei todas as crianças para entrarem na sala e o Jezuinho veio logo a correr, o primeiro, mas parou a meio do caminho, olhou para trás e foi buscar o Vicente pondo o seu braço à volta dos braços do Vicente. Depois eu dei um rebuçado a cada um, e o Jezuinho apressou-se logo a pegar no rebuçado do Vicente (pensei eu que era para comê-lo e já me estava a preparar para dizer qualquer coisa) e a desembrulhá-lo, pondo-o depois na boca do Vicente. E aquilo deixou-me... Kinder! A forma como naturalmente as crianças aprendem o valor da irmandade, sem ser necessário dizer alguma coisa. Num gesto tão bonito... Isto é que é uma escola de vida. Quais pedagogias....